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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Fragmentos de violência


Mariana Freitas


Este texto foi escrito por ocasião do aniversário de 15 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) aqui em Mato Grosso. Foi publicado em um informativo especial feito de forma colaborativa por um grupo de jornalistas e estudantes de jornalismo ('as' mesmo, todas mulheres) e entregue à base do movimento na festa. A data oficial do aniversário é 14 de agosto, data da primeira ocupação do MST no estado. 

A questão da distribuição de terras em Mato Grosso é gritante. Milhares de hectares de monocultura de soja - produzida quase exclusivamente para alimentar gado europeu, invasão de terras indígenas, trabalho escravo, repressão aos movimentos sociais, coronelismo - sim, ainda existe isso, e muito. É quase indescritível em poucas linhas, mas em resumo, é triste e a situação precisa ser mudada.

O texto foi uma lembrança à memória de um menino de 7 anos que morreu atropelado na praça da Igreja de Cáceres. Os trabalhadores haviam sido despejados da ocupação e jogados lá, sem critério nenhum, pela polícia. Ele é só um de muitos, que os militantes do MST-MT lembram de cor e com muito pesar. É violência no campo, pura e explícita. Mas creio que a maior violência de todas é deixar de fazer a reforma agrária. E destinar tanta verba a políticas desenvolvimentistas, pior ainda. Triste.

Segue, finalmente, o texto:

O acampamento era como os outros, com nome de promessa e esperança: Terra Prometida. Eram famílias reivindicando a desapropriação de terras da fazendo Riacho Verde, um latifúndio improdutivo localizado praticamente dentro da cidade de Cáceres. Até que veio a ordem judicial de retomada de posse e com ela a polícia. Deram apenas 30 minutos para os acampados saírem do local. No susto, ao ver os homens fardados caminhando em direção ao acampamento, uma senhora de 80 anos quebrou a perna. Os policiais não acreditaram e disseram que ela “estava com preguiça” de andar.

Levaram as pessoas para o salão da igreja de Cáceres. Na agonia da impotência, os acampados decidiram caminhar para o centro da cidade. Já na praça, passaram pelo motorista de uma Van que, após passar a noite em um racha de som, estava embriagado. O automóvel acertou em cheio o menino Cássio Ramos, de apenas 7 anos. Com o choque a mãe do menino abortou. Estava grávida de 3 meses. Perdeu dois filhos naquele dia.

Na época, foram feitas diversas denúncias, mobilizações, caminhadas e entidades foram convocadas para exigir justiça. Porém, como a justiça brasileira não é cega e tem lado, o motorista da Van, filho de uma família de classe média, não passou por nenhum processo judicial. O caso ainda está na vara de Direitos Humanos de Barra do Garças. Os pais do menino ainda estão em um dos 13 acampamentos de beira de estrada que o MST mantém em MT. Estão na frente da fazenda Riacho Verde, que ainda é um latifúndio improdutivo. Já completaram 10 anos que o menino Cássio morreu.

Não é esse o menino Cássio. Mas poderia ser... poderia ser qualquer um.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Mudando de vida - O Shabat judeu na atualidade

Mariana Freitas
A história de uma mulher que busca a gana de viver perdida e viaja durante um ano de sua vida, passando pela Itália, Índia e Bali, levou milhares de brasileiros aos cinemas este ano. Comer Rezar Amar é um longa-metragem baseado no livro homônimo de Elizabeth Gilbert, e estreou no início de outubro nos cinemas brasileiros, arrecadando milhões logo na primeira semana. Sem contar as outras milhares de pessoas que compraram o livro e fizeram dele um Best-Seller. Todos à procura de algo que faltava, sem saber direto o que preencheria o vazio.
Julia Roberts em cena do filme Comer Rezar Amar
“Mãe, quando você aceitou a vida que tem?” pergunta Liz, protagonista da história interpretada pela bela Julia Roberts. A mãe responde: “Ah, minha querida. Você está sempre à procura de algo”. A busca levou Liz a tirar para si um ano de descanso e meditação, a fim de reconhecer-se a si mesma, a vida que tem e as regras que regem sua vida. O que muitos dos que consumiram livro e filme não sabem é que parar todas as obrigações por um ano não é algo novo. Muito pelo contrário, é bíblico. E no Antigo Testamento a prática é nomeada de Ano Sabático.
“A lógica do Ano Sabático é a do descanso após o trabalho contínuo. Ela se origina no relato bíblico da criação, segundo o qual Elohim (Deus em hebraico) criou o mundo, transformando o caos original na criação, culminando com o ser humano, em 6 dias e descansou no sétimo dia.”, explica o teólogo Antonio Carlos Ribeiro, que vai além:  “Essa lógica do descanso alcança todos os seres vivos (os seres humanos, os animais, a natureza. O ecossistema inteiro descansa e se recompõe de seis dias seguidos de trabalho.”


Levítico é o livro da Bíblia que contém os mandamentos divinos que orientam o Ano Sabático. Escrito por volta de 1.445 a.C., sua autoria é tradicionalmente atribuída a Moisés. O profeta explica nos versículos de 1 a 25 o descanso após seis dias, que é o Sábado, após seis anos, que é o Ano Sabático, e após 49 anos, que é o Jubileu. O teólogo nos ajuda a entender este último: “Outro desdobramento previsto nos livros de lei do Antigo Testamento (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) é o ano 50, que segue 49 anos de trabalho (7 vezes 7 anos), em que haveria uma reestruturação social completa.”
Na tal reestruturação social do Jubileu estão inclusas a libertação de todos os escravos, oferecimento de oportunidades de vida às famílias que não as tiveram e divisão de terras e riquezas de quem acumulou com quem nada tem. O ritual faz parte dos desejos divinos e serve para marcar o início de um novo ciclo, extinguindo o sofrimento material humano e permitindo o descanso da terra, que alimentou as pessoas por tantos anos e precisa ser renovada. A terra, inclusive, volta a ser propriedade de seu verdadeiro dono: Deus.
Hoje a prática é comum entre grandes executivos[1] que tentam escapar da lógica de felicidade enquanto riqueza acumulada que domina o mundo ocidental. E a fuga está justamente no lazer, que não deixa de ser um tipo de trabalho. Assim, é ideia é aproveitar o tempo livre com aquilo que mais lhe dá prazer. Mas não só executivos, como a personagem principal do filme, entram na onda do Ano Sabático. “É uma tradição comum nos países de forte tradição judaico-cristã. As grandes universidades europeias têm o semestre sabático (quando o professor pode viajar para pesquisar e ministrar cursos como visitante)”, explica Antonio Carlos Ribeiro. Já os judeus religiosos, especialmente os mais tradicionalistas, guardam o Shabat até hoje. Eles o fazem em meio a um conjunto de prescrições religiosas, como o início obrigatório em setembro.
Os cristãos também defendem seu ano de descanso. A apropriação cristã do Shabat judeu deu origem ao Dia do Domini (senhor, em latim) por causa da celebração da ressurreição de Cristo. Porém, todas as religiões mantêm os sétimos dia e ano de trabalho enquanto período dedicado à folga. Isso porque o número 7 “é ligado à noção mística de perfeição, lembrando a beleza da natureza como ordenação do caos, a criação da divindade”, ilustra o teólogo.
Exemplo da crença no 7 enquanto número místico é a Astrologia. De acordo com a doutrina - ou estudo, arte, prática - cujo objetivo é decifrar a influência dos astros no curso dos acontecimentos terrestres, estamos na sétima Era Astrológica: a Era de Aquário. Em 1962 começou o período de 2.066 anos em que os seres humanos estarão mais livres espiritual e materialmente. É a procura pelo universal em contrapartida ao individualismo típico de Peixes, signo que regeu a Era anterior. A Era de Peixes aprisionou o Homem em um rígido sistema hierárquico e social (o ter tem mais valor que o ser), do qual ele não conseguiu se libertar.
A superação do sistema hierárquico proporcionou o surgimento dos Hippies, as revoltas de 1968, o feminismo e tantas outras liberdades que conquistamos. Chegamos à Sociedade da Informação em que a comunicação de todos é a Aldeia Global, como diria Fulano de Tal. A evolução tecnológica proporcionou o surgimento das redes sociais. As pessoas conseguem o que querem e rápido, tornando-se auto-suficientes, o que, por sinal, deu origem ao aumento de consumo de livros auto-ajuda, como Comer Rezar Amar.


Hippies cantam a música 'Aquarius' no filme Hair. É a Era de Aquário no ar.
Há no ar um sentimento latente de falta, que nos faz procurar por algo. Na busca pela paz nos perdemos e encontramos o dinheiro, que é incapaz de nos satisfazer. E em um desvio ainda maior chegamos ao cigarro, à bebida, às drogas, ao consumo desenfreado, ao excesso de trabalho e à auto-ajuda. Talvez as formas de preencher o vazio interior estejam justamente em alguma lei antiga que desconhecemos, como a obrigação de dividir do pão com os famintos, alforriar os escravos e dar à mão ao próximo, independente de gênero, escolha sexual, cor, credo ou classe social.
HIPERTEXTO
Outro exemplo de executivo que foi à Bali aproveitar seu Ano Sabático é Stefan Sagmeister. A cada seis anos de trabalho ele reserva um para si, fecha seu estúdio e viaja à procura de inspiração. Designer, ele ministrou uma palestra em julho de 2009 em que mostra alguns de seus inventos mais criativos e suas experiências em um país pobre movido à artesanato, arte e fé. A palestra está no TED, site parecido com o YouTube, mas com o objetivo de partilhar boas ideias – Ideas Worth Spreading, em inglês. Aqui vai o link: http://migre.me/2vUZr


[1] HIPERTEXTO

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Baseado em fatos reais*

Por Caio BOB

“Meu vizinho jogou uma semente no meu quintal” (Bezerra da Silva)



Extraída da natureza, cultivada para ser usada como medicamento em tempos antes de Cristo (7000 a.C) na China, também utilizada como cosmético, além das suas fibras já terem servido para Johannes Gutemberg, inventor da imprensa rápida, como papel para seus livros, a Cannabis Sativa até hoje é utilizada pela população mundial. Estima-se que 200 milhões de pessoas façam uso de substâncias (alguns chamam de droga) ilícitas no mundo, destes, 160 milhões consome Maconha.

Consumida, utilizada e cultivada de inúmeras maneiras a Cannabis Sativa, ainda não é aceita por grande parte da população mundial. Alguns países aderem leis e praticas legais relacionadas à Maconha e seus usuários. Porém no Brasil ela não é aceita como uma substância legal e seus usuários são marginalizados pela sociedade, que é impulsionada pela mídia e leis proibicionistas que fazem o país regressar dentro de uma história CULTURAL plantada.

A sua chegada ao Brasil é uma história contada em salas de aula, quem não se lembra dos navios negreiros? Pois então, inicialmente utilizada pelos negros africanos, a Maconha já dentro da sua origem brasileira é vista com total preconceito. Os negros enquanto jogavam capoeira, faziam seus rituais religiosos usavam a Maconha. Porém para a “GRANDE ELITE” branca isso era algo do "demônio", algo errado e assim foi difundido pelo país e exemplificado nos fóruns internacionais de políticas sobre o consumo da Maconha. Quando o Brasil foi um dos principais países a defender a proibição mundial do comércio da cannabis. Essa proibição até hoje impera em nosso país, fazendo o Estado gastar “rios” de dinheiro no COMBATE ao narcotráfico e ações de criminalização do usuário. Hoje aquele que é visto com um cigarro de maconha é um criminoso, um “drogado” além de chegar a ser uma aberração aos olhos daqueles que não tem o hábito ou o costume de vivenciar esse “outro mundo” como é imposto pelas leis.

Os usuários devem viver na ilegalidade, não podem assumir suas condições para familiares, amigos, desconhecidos e principalmente para a polícia que cada vez mais utiliza da força bruta para mostra como é errado fumar maconha. Será que é tão absurdo um cigarro de maconha? O que dizer do álcool vendido livremente em que dados mostram que cerca de 10% da população brasileira é alcoólatra, isso representa que 18 milhões de pessoas ficam dependentes químicas, além de estudos mostram que o álcool é a substância que mais produz problemas de saúde e segurança pública no Brasil. Já o cigarro, segundo a Organização Mundial da Saúde cerca de 7,9 milhões de pessoas morrem todo ano no mundo por conta de um simples tabaco vendido livremente.

O álcool serve para que? O cigarro serve para que? Maconha serve para que? como listado no começo do artigo a cannabis pode ser utilizada e cultivada em inúmeras maneiras, depende da intenção do usuário, deste substância alucinógena, como em tratamentos médicos e confecção de roupas.

A proposta não é relacionar qual das substâncias faz mais mal, e sim demonstrar como os usuários são criminalizados injustamente. Pois mesmo com todas as leis de proibição é quase irrisório os números de morte ocasionados pela maconha. Você já viu, leu ou conhece alguém que morreu de overdose da “ERVA”?


Pois bem, caro leitor, os números de morte que temos registro são impulsionados pela ação do Estado no COMBATE (em vez de prevenção) as DROGAS.

Subir no morro, entrar na favela, percorrer a periferia atrás de traficante e acabar despejando a falta de informação e ações estimuladas pelo regime militar, faz cada dia mais vitimas. Pessoas estão morrendo ou sendo presas por conta da Lei, que analisa a maconha como algo errado. Porém, errado por quê? Errado é criminalizar os efeitos de uma substância e as pessoas que fazem o seu uso por conta de Leis não discutidas na sociedade. Quem conversa sobre Maconha, como conversa-se sobre futebol ou religião?

Os argumentos são inúmeros para o COMBATE, porém nenhuma solução é apresentada, cada dia mais apreensões de Maconha são feitas, “bandidos” jogados na cadeia, jovens estirados na calçada e não vemos o fim desse “mal” que o Estado brasileiro tenta nos mostrar. Por quê? Dinheiro tem para ser utilizado no COMBATE, mas aonde ele vai parar? Às vezes fico pensando, como pode tanta maconha entrar no país sendo que seu transporte é um dos mais complicados, sem comentar também que nunca ouvimos falar de plantação de maconha no morro ou dentro de uma zona periférica. Será que alguém sobe com isso para o morro? Mas quem? Por quê? As dúvidas não têm respostas exatas, e enquanto existir essas dúvidas, enquanto não for um assunto levado a sociedade para um debate amplo e plural, enquanto continuarem as afirmações de ações ao COMBATE...


Podemos ter certeza que o tráfico, a compra e o consumo não irão acabar assim como as mortes e a criminalização da pobre também não.

Não é possível afirmar, mas o número de usuários que sabem da sua responsabilidade e das ações perante a compra e o consumo é bem maior que os “ingênuos”. Porém isso não significa diretamente o financiamento do narcotráfico e muito menos a culpa por inúmeras mortes. A polêmica é: quem não sabe usar a Maconha; o Estado ou o usuário? Mais vale uma legalização ou uma proibição?

"vou apertar mais não acender agora..." (Bezerra da Silva)



*Baseado em fatos reais, é uma termo já bem utilizado, porém todo o relato apresentado acima é real e o autor vivenciou de alguma forma os efeitos da proibição.

sábado, 13 de novembro de 2010

Comunicação livre e em rede

Por Mariana Freitas


Os mais curiosos podem enxergar que há no país diversas iniciativas de produzir comunicação alternativa. Na tentativa de compor um campo contra-hegemônico à mídia tradicional, que impõe a milhares de brasileiros a sua programação, o seu olhar, a sua verdade, muitas vezes embebida em preconceitos, padrões a serem seguidos e ditaduras. Para fugir aos interesses dos chamados barões da mídia, movimentos sociais, políticos e culturais das mais diversas matizes contribuem a cada dia para a pluralidade da informação. A internet contibui imensamente, apesar da limitação do acesso ser inegável e ainda não existir "educação para a mídia", como diz o professor Roberto Boaventura. Apenas 20% da população têm acesso à rede e em sua maioria, quando têm, não possui o hábito de usá-la como fonte de informação. São as redes sociais as páginas mais frequentadas pelos jovens das periferias.

As já tradicionais Rádios Comunitárias continuam cumprindo seu papel e informar e educar. A luta contra a criminalização dessas rádios e, consequentemente, de seus radialistas é uma das formas mais vis de censura e atento à liberdade de expressão, ao direito à comunicação. A pena para quem for pego tentando se comunicar, sem aval - dificilmente concedido pelo Ministério da Comunicação e sua política perversa - para se comunicar é maior que a pena por furto (ou algo assim). Já o jornais, tão importantes fontes de informação que também contribui com o fomento à leitura, padecem das dificuldade financeiras de impressão e distribuição. O custos impediram que iniciativas como a Revista Sina, uma das únicas revistas alternativas de Cuiabá, a tirassem de circulação. O agravante é a falta de textos para a publicação, pois se é difícil imprimir, imagine contratar jornalistas e equipe exclusiva. Quase um sonho.

Esses pontos de resistência são ligados, normalmente, à associações, movimentos, ONGs, coletivos, sindicatos, fórums e outros tantos mais. Isoladas ou com pouca ligação entre sim, nadam sozinhas contra a corrente que as abate. Apesar de terem conhecimentos da existência de algumas dessa iniciativas, os sites, por exemplo, dificilmente trabalham juntos. O conteúdo colaborativo, que não impediria a existência isolada desses blog e sites, facilitaria o acesso à informação do outro. Houve, sim, algumas tentativas de multiplicação da informação em rede, como Centro de Mídia Independente, site criado por jovens com ideologias libertárias que possuia núcleos de voluntários nas capitais mais importantes e divulgava manifestações e lutas da classe trabalhadora. Outro exemplo é o Overmundo. Ligado à divulgação da cultura (no sentido mais variado da coisa), mantém seu conteúdo em Creative Commons, licença que permite que qualquer um (re)publique alguma texto ou imagem dali, desde que contendo os créditos. Normalmente, a legião de colaboradores - regulares ou esporádicos - concorda que seus materiais estejam sob a licença e, muitas vezes, o publicam ali justamente por isso.

Também há o Brasil de Fato, jornal fundado em algum dos Fórum Sociais Mundiais que se dedica exclusivamente aos movimentos sociais latino-americanos. E a Agência Adital, mantida pela Fundação rei Tito, que segue essa mesma linha. Sobre a Comunicação, o Observatório do Direito à Comunicação possui um trabalho magnífico. Ligado ao Intervozes, eles publicam diversos livros com pesquisas e métodos de mensuração do tratamento da mídia. Porém, o trabalho em rede ainda não faz parte da realidade desses movimentos, tão unidos na mesma causa - o respeito aos direitos e humanos e a luta por um mundo melhor, através (ou não) da mudança nas estruturas política e econômica da nossa sociedade. 

É preciso criar algo que congregue os sindicatos, movimento estudantil e movimentos sociais de todos os gêneros. Porém, é preciso descentralizar o poder sobre a informação até nesse meio. É preciso que essas inciativas contribuam com algo sobre si, e sobre os outros, sem censura e com total liberdade de ideia e opinião. E com a possibilidade de reprodução disso pelos outros. 

Coletivos unidos fazem mais que indivíduos unidos e coletivos isolados.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Uma história em troca de um estacionamento – uma luta!

Por Mariana Freitas e Caio BOB

Um aviso de despejo nada sutil! Assim podemos descrever a ação sofrida pelos indígenas do Instituto Tamoio dos Povos Originários, que ocupam desde 20 de outubro de 2006, um dos poucos prédios no país com estilo arquitetônico Art Nouveau, que já serviu de sede para o primeiro Museu Nacional do Índio. Depois da madrugada de 29 de outubro, lideranças indígenas das etnias Pataxó, Guarani, Guajajará, Kaikang entre outros índios que por ali transitam, acordaram isolados por um muro erguido pelas construtoras Odebrecth Brasil SA, Delta Construções SA e a Construtora Andrade Gutierrez SA, vencedoras da licitação para as “obras de reforma e adequação do Complexo do Maracanã" (orçadas em R$ 705.589.143,72) que pretende transformar o local localizado em frente a uma das entradas do Estádio Mário Filho, o Maracanã, em um estacionamento. 

O prédio público que está jogado às traças por anos, comprometendo muito sua estrutura original e sem utilização por parte do poder público, hoje se encontra em uma situação em que todos querem estar no controle do local, principalmente o Estado do Rio de Janeiro, o grande palco do maior torneio de futebol mundial, a Copa do Mundo de 2014. O Brasil, para seguir as exigências da FIFA está adequando seus estádios para o evento e o Maracanã será palco da Abertura ou Encerramento do torneio, com isso o prédio pode acabar nas mãos da Superintendência de Desporto do Estado do Rio de Janeiro – SUDERJ que administra o Estádio e tem interesses na demolição do prédio ocupado.

Atualmente o prédio público é de controle da Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB e já serviu como sede para o Serviço de Proteção do Índio – SPI, embrião da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, que à época era vinculada ao Ministério da Agricultura.  O órgão Federal que hoje é responsável pela promoção e garantia dos direitos dos povos indígenas, não possui nenhuma informação “concreta” e é omissa ao assunto e aos apelos dos ocupantes.

A reivindicação principal é a falta de atendimento aos povos indígenas com relação à preservação do patrimônio histórico e cultural e a memória das etnias, por isso os índios fazem o anseio para que o local possa ser utilizado como uma escola/universidade indígena na cidade, assim criando um lugar de suporte aos índios que precisam ir à cidade e não têm onde se hospedar. Hoje a ocupação realiza atividades que objetivam a preservação da cultura: aulas de línguas indígenas, exposições de grafismos e artesanato e, mensalmente, há rodas de contos indígenas. Para tentar manter-se, é feito um almoço especial nos costumes das etnias para arrecadar dinheiro. Para garantir a continuidade da ocupação e a luta pela preservação, índios de outros cantos no país estão prontos para se dirigir ao local, porém por não terem condições financeiras, a viagem está ameaçada.

Um local antes marginalizado pelo Estado e pela própria população que via o prédio como algo fora das proporções da comunidade de classe média da cidade carioca, está hoje à frente de um dos projetos mais ambiciosos para a Copa do Mundo. Ali nas proximidades que dão acesso a Rua Mata Machado, encontra-se uma das entradas do Morro da Mangueira, além do restaurante comunitário nas dependências do estádio, assim o local se torna ponto de encontro e transito de moradores de rua, trabalhadores e indígenas. Sem propor uma revitalização, o Governo do Rio de Janeiro junto aos órgãos responsáveis pelas modificações no país para a copa, se viram no direito de recuperar a área e fazer a exclusão dos povos que ali tentam preservar sua cultura.

Um país em que o governo está cada vez mais se vangloriando pelas ações de assistencialismo e inclusão social as comunidades e povos que ficaram a mercê da marginalização impulsionada pelas economias neoliberais, mostra que não está preparada para se desenvolver e organizar atividades de portes internacionais. Vemos a revitalização da área e do Maracanã como um fato que em vez de aproximar da historia do Brasil e preserva - lá, prefere simplesmente passar uma “camada de concreto” e mostrar as maravilhas do capital.

O ocorrido com os índios do Instituto Tamoio dos Povos Originários nas vésperas das eleições para a presidência do país demonstra a pré-potência que o Governo Federal terá em ações futuras que precisarem ser feitas para o famoso PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO – PAC. Mesmo que os índios que ali se encontram estão de forma ilegal aos olhos da justiça, a própria não assegura seus direitos com um estudo ou uma medida que possam tornar aquele lugar até antes sem “dono”, como um bem público e a serviço das populações e principalmente dos povos indígenas.

Quatro anos de ocupação e luta não podem ser ignorados por aqueles que se dizem representantes do povo, eleitos para ouvir o clamor da população. O desrespeito das autoridades competentes com os povos originários é fato concreto – vide a aprovação do projeto da hidrelétrica de Belo Monte – e a omissão da Funai frente a esse caso nos mostra um cenário de desolação e desamparo. Tratados como criminosos, os indígenas se portam de forma superior e ainda mantêm atividades que contribuem para a preservação e divulgação da cultura. Infelizmente, nada disso é o suficiente quando o inimigo é um evento internacional, milhões de reais e construtoras envolvidas em casos de corrupção que, para se aliar ao governo e manter a dianteira na disputa por licitações, doaram rios de dinheiro ao PT para levar Dilma à presidência.

É uma pena perceber que, no Brasil, dinheiro sujo destrói história e compra cultura e tradições milenares de povos que já sofreram tanto nas mãos de brancos gananciosos.

Indígenas realizam ritual no Instituto Tamoio dos Povos Originários - julho de 2008