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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Mudando de vida - O Shabat judeu na atualidade

Mariana Freitas
A história de uma mulher que busca a gana de viver perdida e viaja durante um ano de sua vida, passando pela Itália, Índia e Bali, levou milhares de brasileiros aos cinemas este ano. Comer Rezar Amar é um longa-metragem baseado no livro homônimo de Elizabeth Gilbert, e estreou no início de outubro nos cinemas brasileiros, arrecadando milhões logo na primeira semana. Sem contar as outras milhares de pessoas que compraram o livro e fizeram dele um Best-Seller. Todos à procura de algo que faltava, sem saber direto o que preencheria o vazio.
Julia Roberts em cena do filme Comer Rezar Amar
“Mãe, quando você aceitou a vida que tem?” pergunta Liz, protagonista da história interpretada pela bela Julia Roberts. A mãe responde: “Ah, minha querida. Você está sempre à procura de algo”. A busca levou Liz a tirar para si um ano de descanso e meditação, a fim de reconhecer-se a si mesma, a vida que tem e as regras que regem sua vida. O que muitos dos que consumiram livro e filme não sabem é que parar todas as obrigações por um ano não é algo novo. Muito pelo contrário, é bíblico. E no Antigo Testamento a prática é nomeada de Ano Sabático.
“A lógica do Ano Sabático é a do descanso após o trabalho contínuo. Ela se origina no relato bíblico da criação, segundo o qual Elohim (Deus em hebraico) criou o mundo, transformando o caos original na criação, culminando com o ser humano, em 6 dias e descansou no sétimo dia.”, explica o teólogo Antonio Carlos Ribeiro, que vai além:  “Essa lógica do descanso alcança todos os seres vivos (os seres humanos, os animais, a natureza. O ecossistema inteiro descansa e se recompõe de seis dias seguidos de trabalho.”


Levítico é o livro da Bíblia que contém os mandamentos divinos que orientam o Ano Sabático. Escrito por volta de 1.445 a.C., sua autoria é tradicionalmente atribuída a Moisés. O profeta explica nos versículos de 1 a 25 o descanso após seis dias, que é o Sábado, após seis anos, que é o Ano Sabático, e após 49 anos, que é o Jubileu. O teólogo nos ajuda a entender este último: “Outro desdobramento previsto nos livros de lei do Antigo Testamento (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) é o ano 50, que segue 49 anos de trabalho (7 vezes 7 anos), em que haveria uma reestruturação social completa.”
Na tal reestruturação social do Jubileu estão inclusas a libertação de todos os escravos, oferecimento de oportunidades de vida às famílias que não as tiveram e divisão de terras e riquezas de quem acumulou com quem nada tem. O ritual faz parte dos desejos divinos e serve para marcar o início de um novo ciclo, extinguindo o sofrimento material humano e permitindo o descanso da terra, que alimentou as pessoas por tantos anos e precisa ser renovada. A terra, inclusive, volta a ser propriedade de seu verdadeiro dono: Deus.
Hoje a prática é comum entre grandes executivos[1] que tentam escapar da lógica de felicidade enquanto riqueza acumulada que domina o mundo ocidental. E a fuga está justamente no lazer, que não deixa de ser um tipo de trabalho. Assim, é ideia é aproveitar o tempo livre com aquilo que mais lhe dá prazer. Mas não só executivos, como a personagem principal do filme, entram na onda do Ano Sabático. “É uma tradição comum nos países de forte tradição judaico-cristã. As grandes universidades europeias têm o semestre sabático (quando o professor pode viajar para pesquisar e ministrar cursos como visitante)”, explica Antonio Carlos Ribeiro. Já os judeus religiosos, especialmente os mais tradicionalistas, guardam o Shabat até hoje. Eles o fazem em meio a um conjunto de prescrições religiosas, como o início obrigatório em setembro.
Os cristãos também defendem seu ano de descanso. A apropriação cristã do Shabat judeu deu origem ao Dia do Domini (senhor, em latim) por causa da celebração da ressurreição de Cristo. Porém, todas as religiões mantêm os sétimos dia e ano de trabalho enquanto período dedicado à folga. Isso porque o número 7 “é ligado à noção mística de perfeição, lembrando a beleza da natureza como ordenação do caos, a criação da divindade”, ilustra o teólogo.
Exemplo da crença no 7 enquanto número místico é a Astrologia. De acordo com a doutrina - ou estudo, arte, prática - cujo objetivo é decifrar a influência dos astros no curso dos acontecimentos terrestres, estamos na sétima Era Astrológica: a Era de Aquário. Em 1962 começou o período de 2.066 anos em que os seres humanos estarão mais livres espiritual e materialmente. É a procura pelo universal em contrapartida ao individualismo típico de Peixes, signo que regeu a Era anterior. A Era de Peixes aprisionou o Homem em um rígido sistema hierárquico e social (o ter tem mais valor que o ser), do qual ele não conseguiu se libertar.
A superação do sistema hierárquico proporcionou o surgimento dos Hippies, as revoltas de 1968, o feminismo e tantas outras liberdades que conquistamos. Chegamos à Sociedade da Informação em que a comunicação de todos é a Aldeia Global, como diria Fulano de Tal. A evolução tecnológica proporcionou o surgimento das redes sociais. As pessoas conseguem o que querem e rápido, tornando-se auto-suficientes, o que, por sinal, deu origem ao aumento de consumo de livros auto-ajuda, como Comer Rezar Amar.


Hippies cantam a música 'Aquarius' no filme Hair. É a Era de Aquário no ar.
Há no ar um sentimento latente de falta, que nos faz procurar por algo. Na busca pela paz nos perdemos e encontramos o dinheiro, que é incapaz de nos satisfazer. E em um desvio ainda maior chegamos ao cigarro, à bebida, às drogas, ao consumo desenfreado, ao excesso de trabalho e à auto-ajuda. Talvez as formas de preencher o vazio interior estejam justamente em alguma lei antiga que desconhecemos, como a obrigação de dividir do pão com os famintos, alforriar os escravos e dar à mão ao próximo, independente de gênero, escolha sexual, cor, credo ou classe social.
HIPERTEXTO
Outro exemplo de executivo que foi à Bali aproveitar seu Ano Sabático é Stefan Sagmeister. A cada seis anos de trabalho ele reserva um para si, fecha seu estúdio e viaja à procura de inspiração. Designer, ele ministrou uma palestra em julho de 2009 em que mostra alguns de seus inventos mais criativos e suas experiências em um país pobre movido à artesanato, arte e fé. A palestra está no TED, site parecido com o YouTube, mas com o objetivo de partilhar boas ideias – Ideas Worth Spreading, em inglês. Aqui vai o link: http://migre.me/2vUZr


[1] HIPERTEXTO

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