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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Fragmentos de violência


Mariana Freitas


Este texto foi escrito por ocasião do aniversário de 15 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) aqui em Mato Grosso. Foi publicado em um informativo especial feito de forma colaborativa por um grupo de jornalistas e estudantes de jornalismo ('as' mesmo, todas mulheres) e entregue à base do movimento na festa. A data oficial do aniversário é 14 de agosto, data da primeira ocupação do MST no estado. 

A questão da distribuição de terras em Mato Grosso é gritante. Milhares de hectares de monocultura de soja - produzida quase exclusivamente para alimentar gado europeu, invasão de terras indígenas, trabalho escravo, repressão aos movimentos sociais, coronelismo - sim, ainda existe isso, e muito. É quase indescritível em poucas linhas, mas em resumo, é triste e a situação precisa ser mudada.

O texto foi uma lembrança à memória de um menino de 7 anos que morreu atropelado na praça da Igreja de Cáceres. Os trabalhadores haviam sido despejados da ocupação e jogados lá, sem critério nenhum, pela polícia. Ele é só um de muitos, que os militantes do MST-MT lembram de cor e com muito pesar. É violência no campo, pura e explícita. Mas creio que a maior violência de todas é deixar de fazer a reforma agrária. E destinar tanta verba a políticas desenvolvimentistas, pior ainda. Triste.

Segue, finalmente, o texto:

O acampamento era como os outros, com nome de promessa e esperança: Terra Prometida. Eram famílias reivindicando a desapropriação de terras da fazendo Riacho Verde, um latifúndio improdutivo localizado praticamente dentro da cidade de Cáceres. Até que veio a ordem judicial de retomada de posse e com ela a polícia. Deram apenas 30 minutos para os acampados saírem do local. No susto, ao ver os homens fardados caminhando em direção ao acampamento, uma senhora de 80 anos quebrou a perna. Os policiais não acreditaram e disseram que ela “estava com preguiça” de andar.

Levaram as pessoas para o salão da igreja de Cáceres. Na agonia da impotência, os acampados decidiram caminhar para o centro da cidade. Já na praça, passaram pelo motorista de uma Van que, após passar a noite em um racha de som, estava embriagado. O automóvel acertou em cheio o menino Cássio Ramos, de apenas 7 anos. Com o choque a mãe do menino abortou. Estava grávida de 3 meses. Perdeu dois filhos naquele dia.

Na época, foram feitas diversas denúncias, mobilizações, caminhadas e entidades foram convocadas para exigir justiça. Porém, como a justiça brasileira não é cega e tem lado, o motorista da Van, filho de uma família de classe média, não passou por nenhum processo judicial. O caso ainda está na vara de Direitos Humanos de Barra do Garças. Os pais do menino ainda estão em um dos 13 acampamentos de beira de estrada que o MST mantém em MT. Estão na frente da fazenda Riacho Verde, que ainda é um latifúndio improdutivo. Já completaram 10 anos que o menino Cássio morreu.

Não é esse o menino Cássio. Mas poderia ser... poderia ser qualquer um.

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